quarta-feira, janeiro 12, 2005

O PS e o Labour


Apesar de proscrito pela esquerda (moderada) europeia, Portugal não é excepção depois da era Guterres, o Labour britânico deveria ser analisado como uma referência do que muitos já designaram de socialismo pragmático. Um partido que compreende a necessidade de adaptar as preocupações da esquerda com a realidade da economia liberal que move o Mundo. Tendencialmente a esquerda portuguesa colocou sempre como referência o Partido Socialista Francês, todos nos recordamos da expectativa com que era encarada a governação de Lionel Jospin. Na altura, parecia a muitos socialistas portugueses que era ali que se encontrava a necessária referência da esquerda europeia, depois de conhecidos os desvios de Schroeder e a terceira via de Blair. O regresso da Direita a França revelou a precariedade desse pensamento, mas, mais uma vez, o Labour foi relegado para segundo plano como uma qualquer mutação do genoma político de esquerda.
Enquanto isso a Grã-Bretanha afirmava-se como uma das economias mundiais mais competitivas, com um sólido crescimento em sectores tecnológicos e farmacêuticos, por exemplo. Aproveitando as reformas da era Tchater, Blair recolheu os louros, mas avançou com reformas na administração pública que resultaram numa redução substancial da despesa pública do Estado. No ano de 2004 a Grã-Bretanha conseguiu manter um défice público abaixo dos 3% e a sua economia cresceu acima desse valor de referência. O mérito destes resultados deve-se em grande medida ao actual ministro das Finanças Gordon Brown, que, curiosamente, está envolvido numa polémica estéril com Tony Blair, provavelmente pela liderança do partido. Seria normal, se não estivéssemos a 5 meses de eleições legislativas... Face a esta proximidade e aos possíveis impactos da polémica, muitos deputados trabalhistas têm manifestado o seu repúdio pela polémica e exigido compostura aos intervenientes.
Podemos esperar o mesmo de um grupo parlamentar do PS caso um Governo de Sócrates não cumpra com as suas responsabilidades?
A liderança de Blair ao agir em conformidade com as necessidades da sua economia hostilizou a ala interna mais á esquerda, as reformas na função pública revoltaram os sindicatos, a proibição da caça à raposa fracturou a sociedade britânica entre a cidade e o campo, e a política externa de Blair no Iraque separou a Grã-Bretanha do resto do Mundo. Em toda a actuação de Blair ressalta, goste-se ou não, um princípio que tem faltado à esquerda europeia: coragem.
O caminho do PS tem neste momento uma bifurcação: assume as necessidades de Portugal e actua ou, pelo contrário, continua com a pequena política que nos persegue e vai maquilhando as finanças públicas e oferecendo cuidados paliativos à nossa economia?
Para o primeiro dos caminhos ser viável é insuportável a postura de tibieza que tem manifestado José Sócrates. Não basta ser teimoso, isso Sócrates consegue ser, mas é fundamental ser conhecedor, comunicador e o protagonista da mudança. Para além do primeiro-ministro, depois falta alguém com o génio de Gordon Brown para as nossas finanças, neste momento atrevo-me a dizer que o futuro Ministro das Finanças será tão importante como o primeiro-ministro. Um nome sólido e de reputação transversal ao espectro político nacional faria mais pela vitória do PS que o quinhão de medidas que se adivinham sair da boca de Sócrates. Sim, porque da sua cabeça ainda não percebemos bem o que sai...
O tempo urge e a prestação do Labour deveria, pelo menos, merecer análise e não o repúdio tradicional. Apesar dos sinais de alguma preocupação para o futuro da economia britânica, a realidade é melhor do que a herdada dos conservadores. Alguns perguntarão, então e os valores da esquerda? Basta procurar os resultados das reformas sociais introduzidas pelo Labour e perceberão a necessidade de deixarmos de avaliar o particular pelo todo. O alinhamento com Bush não deve ser motivo para transformar o Labour no partido renegado da esquerda europeia.

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