terça-feira, dezembro 06, 2005

Porque é tão difícil votar num dos candidatos?



A resposta, na minha concepção, assenta em três tópicos fundamentais que depois se ramificam em alíneas particulares. A sua ordenação neste texto não possui nem valor crescente, nem valor descendente, isso tornaria a discussão ainda mais complexa.
Começamos então pela propalada personalização da política, que transporto para um conceito mais abrangente: identificação. De alguma forma, todos procuramos num político traços de convergência com a nossa própria maneira de estar e pensar a sociedade, com o nosso estilo de vida – o que temos e o que desejaríamos – que possua um estatuto intelectual, material ou profissional que o distinga doutros candidatos. Por mais completo que se afigure faltar-lhe-á sempre qualquer coisa, que assumirá contornos dramáticos na hora da escolha. Esta visão é particularmente perigosa e, em casos extremos, pode gerar um culto sebastiânico que revela sempre o advento de regimes autoritários.
O vazio é igualmente preocupante. A demissão do cidadão em escolher, em última instância, geraria uma corrente indecisionista. Ora, em política, pior que decidir mal é não decidir. O espaço vago da indecisão será sempre ocupado, geralmente por figuras ou ideologias marginais à democracia. A personalização da política e a sua correspondente identificação com o cidadão ou com as suas aspirações é um terreno fértil para o recrudescimento de ódios pelos sinais mais mesquinhos, gerando um extremismo na afirmação das fidelidades ou infedilidades para com o candidato. É sempre mais fácil fidelizarmos alguém a uma ideologia do que a uma pessoa. A continuidade de um projecto político também é mais facilmente assegurada quando existe uma qualquer argamassa ideológica que a sustente, em vez de alguns tijolos humanos. Aqui, quando falo de argamassa ideológica, não me refiro a esquerda ou direita, mas por exemplo às instituições e à sua utilidade como contraponto ao imediatismo da personalização da política onde os candidatos são preparados e lançados à semelhança de qualquer produto comercial, sem substância, mas com um belo invólucro.
Aproveito então para lançar outro tópico da maior relevância: a moral ou a moralidade. Aparece frequentemente na discussão política de qualquer candidato, na tentativa clara de sequestrar a moral individual de cada eleitor, refém que se encontra da necessidade da mudança, duma corrupção generalizada transversal a todo o espectro político. No já célebre somos todos iguais, entra a personalização mencionada e a moral de política puritana, vendida com grande eficácia no extremo da esquerda.
Naturalmente é verdade que a política sofre de todas as enfermidades de que sempre padeceu e talvez de mais algumas, mas a repetição exaustiva, por parte de candidatos que nada mais têm a oferecer, gera um movimento de afastamento entre o cidadão eleitor e o cidadão candidato. Como diz Innerarity “A moralização como arma de arremesso surge da desconfiança quanto à possibilidade de a política gerar por si própria uma cultura, umas regras justas” (2002, 74-5), ou ainda “A acção política implica sempre transigir. O uso continuado da linguagem dos princípios, do irrenunciável e do combate condena-se à frustração e ao autoritarismo ” (2002, 53). O mesmo autor refere também a existência de um “uso bélico da moral”, concordo, especialmente quando deparamos com as demonizações permanentes feitas da política. Afinal serão todos os cidadãos fontes de virtudes e exemplos de fraternidade, para que frequentemente punam os políticos com a sua indecisão assente numa suposta superioridade moral?
Até que ponto a capa da moralidade não esconde uma iliteracia política dos cidadãos? Quantos de nós não nos refugiamos no jargão anti-político para camuflarmos o nosso desconhecimento da Política? A ignorância, a iliteracia ou apenas o puro desconhecimento do seu funcionamento é outro dos factores que avanço para a nossa dificuldade em encontrar alguém que nos represente. A perspectiva irredutível como a encaramos revela-se redutora, pois não lhe permitimos concessões. A não admissão de concessões entre partidos e políticos é, precisamente, uma das razões para o seu fracasso. Não será isso que todos nós, enquanto eleitores, estamos a fazer? A política é gerir sob contingências, contextualizando e pesando as decisões, mas decidindo. Decidir implica conhecer, projectar e executar, tudo sequencial e consequencialmente, gerindo o risco, porque a política é um modo de acção sob condições de incerteza.
O desconhecimento da política deve-se tanto ao cidadão eleitor como ao cidadão candidato – a qualquer eleição – que se refugia frequentemente na colateralidade do conflito, exacerbando e instigando movimentos proteccionistas em relação ao seu trabalho e procurando desacreditar os críticos, não pela força dos argumentos que deveriam sustentar as suas decisões, mas pela imaturidade democrática assente na mentira e calúnia. O ataque ao cidadão participativo e crítico factual gera ainda mais distanciamento, em virtude da inconsequência das palavras daqueles que seriam os mais sábios ou doutos num assunto particular. Para além do mais são esses cidadãos mais activos que devem participar na vigilância da política, através de instituições externas ao poder político, como as provedorias, as organizações não-governamentais, os meios de comunicação social, etc. Deveriam ainda assumir um protagonismo pedagógico relativo ao conhecimento político pelo colectivo, de forma a suprir as lacunas de um sistema de ensino onde a educação cívica não assume um papel relevante. Se assim fosse seríamos mais a conhecer as palavras de Innerarity: “Os políticos fazem mal uma coisa que ninguém até hoje conseguiu fazer melhor que eles. Por isso, o resto dos mortais os despreza e, ao mesmo tempo, não consegue substituí-los” (2002, 55).
A encruzilhada em que hoje se encontram tantos eleitores só se esmorecerá quando os políticos, principalmente os candidatos reforçarem a sua credibilidade assumindo a política e não fugindo dela, denunciando e alterando as suas debilidades e principalmente tratando os eleitores com maior clareza e pedagogia e menos marketing e técnica de vendas. Fica um registo mais idealista, num texto que, enquanto autor, considero pragmático. A este propósito, a dúvida que me assalta neste momento do término é a seguinte: até que ponto este último parágrafo não se enquadra na perspectiva de que o problema da política é a gestão das expectativas que gera, principalmente o facto de esperarmos demasiado dela?

Obra citada:
Innerarity, Daniel (2002), A Transformação da Política, Lisboa: Editorial Teorema.

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