domingo, janeiro 08, 2006

O Governo Lunar




A título de preâmbulo fica o registo de que este artigo, na sua essência, estava pensado pelo menos desde Novembro! Porquê o compasso de espera? Por nenhum motivo em especial, apenas sentia a convicção de que a referida essência não perderia actualidade e seria uma questão de mais semana, menos semana, para que regressasse às minhas prioridades temáticas, neste blogue temporariamente abandonado. Não errei, pelo menos nesta última parte, a actualidade do tema está de volta com a polémica em redor do novo modelo de gestão da EDP. O cerne dessa polémica foi a possibilidade de que o Conselho Superior, órgão criado pelo novo modelo de gestão, pudesse contar com a presença de um representante da Iberdrola, concorrente da eléctrica nacional no mercado ibérico. Por motivos que já serão sobejamente conhecidos de todos, cedo esta questão galgou os domínios da gestão empresarial, para se assumir como uma questão eminentemente política. O representante da Iberdrola em Portugal é, nada mais, nada menos, que Joaquim Pina Moura. O anterior ministro das finanças de António Guterres e actual deputado da bancada parlamentar do Partido Socialista. Portugal vive, no presente, uma enorme fertilidade conspirativa, consequente e inconsequente, verdadeira e falsa. A constatação desta realidade deveria fazer dos governos, exemplos de frieza ou, se quisermos ser cínicos, de astúcia. Assistimos a nomeações e decisões que se reforçam na legitimidade técnica ou intelectual dos seus protagonistas, para fundamentar decisões que, do ponto de vista político, são profundamente erradas. Ninguém questiona o mérito técnico de Guilherme Oliveira Martins para dirigir o Tribunal de Contas, mas a sua conotação partidária torna-o num obstáculo à prossecução dos objectivos da instituição que dirige. Num tempo de maioria absoluta, o partido do Governo nomeia uma das suas figuras para um organismo que deve ser um referencial de isenção. Isto levanta especulações sobre qualquer parecer mais controverso, como o que foi passado às contas de gerência dos últimos anos e às críticas às incorporações dos fundos de pensões de empresas públicas na Caixa Geral de Aposentações, nos tempos de Manuela Ferreira Leite e Bagão Félix. Poderá o país viver com as suas instituições de referência permanentemente acossadas, com a sua credibilidade a ser questionada por cada nomeação governamental. Não me esqueço da sofismável nomeação Luís Nobre Guedes para Conselheiro do Tribunal Constitucional. Nisto todos os governos serão iguais, a real politik dirá que são as regras do jogo, que a nossa tranquilidade assenta nesta agitação subterrânea. Esta lunaridade da política preocupa-me, no caso presente, este Governo. A uma face brilhante, luminosa, claramente afirmativa, onde se espalham reformas, boas-intenções, ferozes combates ao obscurantismo corporativista, sucede-se, com a frequência da lua, uma outra fase lunar, distante, oculta na rectaguarda da outra. Submete-se o brilho da primeira à contra-luz das nomeações de Fernando Gomes e Armando Vara, de inúmeros gestores de conteúdos de páginas da internet, às guerras de alecrim e manjerona em redor do Plano Tecnológico. Também no caso da EDP depois do obscurantismo o ministro Manuel Pinho teve uma reacção brilhante, que infelizmente lhe é cada vez mais rara, ao afirmar que não podemos num dia pedir aos investidores estrangeiros para que invistam em Portugal e, no dia seguinte criticá-los e maltratá-los! Para além do mais a Iberdrola investiu cerca de mil milhões de euros em Portugal nos últimos anos. Sinceramente está na altura dos portugueses enquanto povo se definirem quanto ao que querem que seja Portugal no futuro e não deixar que as lunaridades ou os luares dos consecutivos governos nos submetam a estes ambientes de suspeição. Ou o país se fecha e se protege das operações públicas de aquisição de grupos económicos estrangeiros, onde naturalmente se encontram os espanhóis, ou então cria um modelo económico de desenvolvimento competitivo, baseado na flexibilidade, eficiência e na inovação. Não sendo economista, creio que não nos valerá de muito acreditar e investir muito no primeiro. Fazê-lo seria ir contra a corrente do mercado internacional, contra a legislação europeia que não pactua com modelos proteccionistas. Nesta altura até a golden share do Estado Português na Portugal Telecom é discutida. A meu ver muito bem. Portugal para ser competitivo tem de estar preparado para a dinâmica do Mundo actual. Afinal onde preferimos estar? No país lunar ou no “Mundo plano”, que enche colunas de jornais e revistas e anda na boca dos maiores analistas e gestores internacionais?

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