sábado, novembro 05, 2005

A Política Técnica

"Conhecimento" Ne Barros


Como pode um discurso político baseado em princípios ou conceitos aclamados como estruturais, não parecer inócuo e desprovido de valor? Apenas quando são acompanhados de projectos de execução. Verdadeiros projectos, com definição de recursos humanos e logísticos, e o indispensável financiamento. Seria essa a Política Técnica a que o título se refere, quando tal não acontece, quanto muito podemos ter alguma técnica da política. Também indispensável, mas apenas como ferramenta de implementação e desenvolvimento da política virada para o quotidiano e para as perspectivas estratégicas. É no domínio estratégico que coloco o exemplo que serve de referência a este texto.
As palavras da Ministra da Cultura no IV Seminário Internacional dos Arquivos de Tradição Ibérica, que decorreu na Torre do Tombo, revelam que princípios com alguma implantação entre os profissionais da área finalmente passam a fazer parte do léxico dos gabinetes ministeriais. É a técnica política a funcionar não apenas na área em apreço, mas como realidade transversal aos mais diversos sectores. Qualquer coisa do género: “Quando falares para técnicos mostra o pouco que sabes, não reveles o muito que desconheces programando a execução do que proclamas”. As palavras são minhas, mas o conteúdo é da cartilha. Poderá ser esta a explicação para que nenhum político nos convença quando fala da nossa àrea profissional.
Não poderia ser excepção. Quando a ministra da Cultura fala da gestão de património histórico e de Informação/Arquivos, a minha sensação é a mesma. Um enunciado de princípios fundadores não faz a prática, ou melhor, as “boas práticas” políticas.
Merecerá este assunto ser debatido, ainda para mais quando neste blog sempre se procurou não martirizar leitores, com as importâncias da vida profissional? Serão vocês os juízes.
Pessoalmente acredito que sim e para todos aqueles que duvidam da força desta convicção, a melhor forma de colocar a questão é a seguinte: em qualquer organização a informação é o sangue que a faz viver, uma má gestão da informação e das suas práticas arquivísticas, terá o mesmo efeito que uma doença cardiovascular num qualquer ser humano. Poderá não sucumbir de imediato, mas certamente definhará perante a necessidade de recorrer à matéria a partir da qual sobrevive. Sem dar demasiada importância à crueza das palavras a analogia reflecte a realidade e funciona tanto para uma empresa como para o Estado.
Diz a nossa ministra, mais centrada nos arquivos, que estes são “efectivos recursos de informação”, e os seus profissionais “devem orientar a sua actividade para os clientes e utilizadores em lugar de centrarem toda a sua actividade nos documentos”. Continua referindo que o objectivo – não quantificado – passa por conseguir “uma aproximação às entidades produtoras da documentação, no sentido de influenciar a implementação de boas práticas na gestão dos documentos”, sendo “necessário implementar uma política facilitadora de boas práticas de gestão integrada dos arquivos ao longo de todo o seu ciclo de vida”. Sábias palavras, assentes numa realidade que em contornos largos é a seguinte:
- Numa análise aos arquivos intermédios de entidades públicas foram detectados 700 km de documentação sem qualquer tipo de tratamento arquivístico! Apesar da força deste número, convém referir que apenas 40% das entidades públicas apresentaram os seus dados. Logo podemos concluir que a realidade é ainda mais gravosa. Uma intervenção de fundo implicaria custos financeiros avultados, no entanto, neste momento, o Estado português gasta cerca de 1 milhão de euros mensais no arrendamento de espaços de depósitos para essas enormes massas documentais. Uma grande parte dessa documentação, caso existissem soluções de gestão documental e práticas arquivísticas, poderiam ser eliminadas.
- O próprio Estado infringe a sua própria Lei, quando Direcções-gerais dos mais variados ministérios não possuem uma Portaria de Avaliação. Se existissem, todos os serviços, desde que devidamento informados, poderiam gerir a sua documentação enviando para arquivo apenas a documentação com valor legal ou importante pela sua informação histórica. Em paralelo investiam cada vez mais em soluções tecnológicas com o objectivo de acabara com a utilização do papel nas suas organizações.
- Total incapacidade de resposta do orgnismo público responsável pela aprovação das referidas Portarias e pela definição da política arquivística nacional, em fornecer respostas em tempo útil para as organizações que deles dependem. Levando a que hoje a Torre do Tombo seja mais uma ignição do problema do que a resposta que todos anseiam.
- Os Arquivos distritais são estruturas asfixiadas financeiramente e sem imaginação para mudar o estado preocupante em que se encontram. Os arquivos municipais, como quase tudo o que está ligado às autarquias, dependem do grau de conscencialização dos autarcas para dinâmicas tão distantes como a dos arquivos e informação. Logo por aí podemos perceber o cenário, apesar dos avanços em algumas autarquias.Poderia continuar a discorrer sobre a realidade até me tornar ainda mais fastidioso, mas aquilo que fica é a necessidade que a política técnica se sobreponha à técnica da política e que efectivamente se implementem as “boas práticas”.

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