terça-feira, setembro 20, 2005

Uma certa iliteracia europeia

O rapto de Europa de Rubens
Os resultados nas eleições legislativas na Alemanha são mais um ponto na confirmação da ideia que tenho vindo a congeminar, não querendo com isto assumir a paternidade de um conceito que anda na boca de muita gente. Desenvolvendo o contexto, à uns meses atrás Merkel era a virtual vencedora por maioria absoluta, no entanto, o cenário pós-eleitoral revela uma realidade bem distinta. Uma vitória tão pequena foi para a CDU uma derrota. O principal motivo desta montanha russa eleitoral, para além da extraordinária combatividade de Schroëder, foi a radicalização das reformas económicas anunciadas por Merkel. A sua necessidade é transversal, todos os sectores sociais as conhecem, o voto pendeu para o cenário mais cor de rosa. Nos últimos tempos o SPD sofreu a bom sofrer com reformas importantes na Segurança Social, no mercado de trabalho, nos cortes do subsídio de desemprego, no entanto perante o medo de tempos ainda mais difíceis as pessoas votaram nos sacrifícios que já conhecem.
Aqui entra esta tendência europeia de cidadãos proteccionistas dos seus direitos e com menor capacidade de enfrentar os problemas comparativamente a outros países mundiais. Os governos e os especialistas conhecem os problemas, procuram aplicar as soluções, mas sempre que atingem alguns direitos considerados inalienáveis, os cidadãos e no cumprimento do seu direito castigam os autores das ousadias, no entanto não se inibem de clamar pela necessidade de estar na vanguarda da economia mundial.
A Europa e os europeus não podem esperar que deixando o tempo correr, sem reformas que acompanhem as tendências mundiais, as vantagens do modelo europeu se sobreponham a todas as outras. O Mundo é um projecto a médio prazo, porque no longo já não existimos nós e o curto é aquele que vivemos. Para vivermos melhor no médio prazo temos de perceber que o mundo mudou radicalmente nas últimas décadas e que os países que não o perceberam, como Portugal, vão demorar mais umas décadas a apanhar o comboio da frente. A Europa central e do Sul ainda possui um mercado de trabalho muito centrado em competências industriais que não conseguem fazer frente aos tigres asiáticos que produzem num ritmo e competitividade imparável. Nos próximos anos será assim até que alguma vez a cidadania e ânsia democrática conquistem um peso que não existe nesses países.
Sabemos que a alternativa para a Europa é tornar-se mais competitiva, para isso precisará de pessoas qualificadas, mas a regeneração do mercado de trabalho demora décadas. O director do IEFP fala em 50 anos para o caso português! O que faremos nesse período, temos de ir trilhando um caminho mais árduo para que esse mercado de trabalho qualificado seja o impulso que vamos trilhando.
O caminho árduo também é conhecido, cortar a dependência das economias europeias face ao Estado, tornar o sector mais privado e dinâmico, flexibilizar o mercado de trabalho e assumirmos perante o Mundo a postura de que temos de ir à luta. Se queremos ter sucesso vamos ter de ganhá-la. Soa a capitalismo puro... bem sei. Mas esta é a engrenagem na qual o Mundo se movimenta e os cidadãos terão de ser os primeiros a perceber isso, não podendo ficar enfeudados em privilégios ou direitos que só são garantidos se puderem ser pagos! Só é possível distribuir quando existe.
A única forma de o poder fazer é termos a coragem de encarar e participar no Mundo que existe. De alguma maneira temos de adaptarmo-nos e percebermos que temos vantagens competitivas face aos países emergentes: sistemas bancários e de seguros fiáveis, sistema monetário estável, estabilidade social, maior nível de educação, etc. No entanto, em alguns sectores teremos de trabalhar mais e em quase todos temos de implementar uma cultura do valor.
As leituras das eleições da Alemanha demonstram essa incapacidade da Europa se encontrar e escolher um caminho claro para o seu futuro.

1 comentário:

Anónimo disse...

Contrariamente a outras opiniões que tenho recolhido, penso que o resultado das eleições na Alemanha possam ser a coisa mais interessante que poderia ter acontecido à nossa velha Europa. Talvez possam vir a ficar na história como um momento de inflexão política. As actuais correntes políticas que dominaram a Europa e o mundo no último século começam a ficar saturadas, sem resposta para os problemas do mundo actual. Nem à esquerda nem à direita se encontram soluções inspiradoras. Navegamos num pragmatismo sofrível que não estimula ninguém e que disfarça uma crise política latente. A governação dos países começa a ser inspirada nos modelos de governação das empresas, porque é daí que emanam as melhores práticas (leia-se os melhores resultados). As empresas são organizadas segundo um modelo militar altamente hierarquizado (logo na estratégia), enquanto que o governo dos países assenta na democracia (o poder vem debaixo para cima). Portanto, logo à partida isto é um contra-senso. Mais haveria a dizer mas fica para outras oportunidades. Que comece pois a inflexão pela reflexão. Sistemática!