terça-feira, setembro 27, 2005

Ainda há comunismo?


Assume-se o confronto do título com base na observação daqueles que são considerados como os guardiões da ortodoxia ideológica. Suscita-me esta reflexão a minha incompreensão perante as palavras e atitudes de Jerónimo de Sousa na sua visita à Auto-Europa. Manifesta Jerónimo a sua preocupação pelo facto dessa mesma fábrica ter perdido a possibilidade de construir mais um modelo da Volkswagen. Pensava que o comunista, apesar do direito à sua nacionalidade, defendia o ser humano pela sua essência e não pela sua pátria. Por isso me espanto que ao dizer o que disse, Jerónimo de Sousa se tenha esquecido dos direitos que os trabalhadores alemães tiveram de abdicar para continuarem a trabalhar. A direcção da Volkswagen perante a possibilidade de construir o modelo em Portugal, com custos muito mais baixos, forçou os trabalhadores alemães a produzirem o veículo com um custo de menos de 860 €! Provavelmente Portugal foi até uma importante forma de pressão estratégica.
Não foi Jerónimo que quis accionar a cláusula de salvaguarda para proteger a indústria têxtil nacional da invasão chinesa (esses comunistas dissidentes)? Será a invenção de um comunismo nacionalista ou apenas uma incapacidade manifesta de apresentar uma solução global? Valem menos os direitos de um alemão que os de um português? A célebre coerência ideológica de Cunhal espalha-se assim pelas refregas eleitorais pedintes e carentes do afecto popular.
Durante muito tempo a resposta do comunismo foi a paridade humana, uma forma igualitária de encarar os problemas da humanidade, isso permitia-lhe ser encarada como uma resposta ou ambição em qualquer parte do Mundo. Neste momento ficamos a saber, pela voz dos comunistas, que o Governo deveria ter feito mais para a Auto-Europa produzir um modelo que estava destinado a ser concebido por trabalhadores alemães. Talvez o Governo devesse criar uma excepção ao baixar o IVA, subsidiar a iniciativa privada, ou ajudar a reduzir ainda mais os custos da produção, por exemplo com despedimentos colectivos!
Em paralelo desenvolve-se na Europa uma “nova” extrema esquerda europeia, que tem como melhor exemplo os resultados em Portugal e Alemanha. Reflecte uma realidade bem mais reactiva do que progressista, ao contrário do que muitos dos seus mentores afirmam. Há qualquer coisa de muito verosímil na visão metafórica e irónica que a identifica como a “esquerda caviar”. Poderia ela existir sem o liberalismo dominante? A sua própria composição é uma massa heterógenea, uma amálgama de conflitos teóricos, desalentos e incompreensões quanto ao rumo da civilização.
Estaremos nós a assistir á morte das ideologias na forma como foram concebidas até aqui?
Potenciais respostas como a célebre “Terceira Via” de Giddens e Blair, preconiza uma estratégia política que não se restringe às políticas embaladas e convenientemente separadas entre Direita e Esquerda. A “Terceira Via” tem uma estruturação pouco consistente e trata-se de uma derivação ou fusão de conceitos, que funciona em Inglaterra, mas não me parece um modelo de exportação directa para outras realidades nacionais. Fica a pergunta no ar: Será o vazio ideológico ou é apenas uma forma de racionalizar a acção política ao desenvolvimento tecnológico das últimas duas décadas?
Estou mais perto da última hipótese. O mundo requer respostas mais ágeis e flexíveis, transversais e não compartimentadas. O Mundo não se resume à economia, mas a economia resume muito do Mundo. E a verdade é que o pensamento e a actuação política não estão a conseguir acompanhar essa dinâmica económico-empresarial. Concordo com o meu amigo Cristóvão – no comentário ao texto anterior – que as melhores práticas nascem nas empresas, naquelas que são casos de estudo mundial, não nas do Vale do Ave.
Aqui assenta o problema do comunismo e até de algum socialismo, sucedem-se as análises à realidade, mais ou menos parciais, mas não existe uma resposta ou alternativa, pelo menos uma que seja exequível. Adensa o pântano em vez de dissipar o nevoeiro. Esta incapacidade é mais gritante quando alguns dos princípios fundamentais ainda conseguiriam ser cativantes para uma faixa importante da população. O fracasso da aplicação política nos países do Leste, a derivação chinesa, o isolamento de algumas ilhas, são factores que geram uma relutância difícil de travar. No entanto, quando nos apressamos a massacrar o comunismo como uma ideologia ultrapassada, o que de facto em muitas coisas já acontece, não nos estaremos a esquecer de que a modernidade que lhe era adjacente está longe de estar conseguida? O Mundo continua a ser um local injusto e onde os homens não são iguais no acesso ao fundamental, mas não considero que o comunismo seja a solução. Apesar disso, custa-me que não exista, que se fragmente, e perca noção dos princípios fundamentais. Jerónimo de Sousa, o guardião do templo, num momento revelador sob pressão eleitoral, deixou patente como é incerto o até amanhã dos camaradas.

1 comentário:

Anónimo disse...

Nas últimas 2 décadas temos vindo a assistir progressivamente a um esvaziamento político de ideias e de lideranças. Hoje já não existem movimentos genuínos inspiradores com bases teóricas sólidas, antes uma mescla de posições transitórias que se adaptam às conveniências dos momentos. Os partidos andam moribundos, na forma como os conhecemos, e abrem espaço para o aparecimento de correntes de poder empíricas, como é o caso da gestão empresarial aplicada ao governo dos países. Aplica-se porque se funciona nas empresas, funciona no Estado, ponto. Mas, como disse num comentário passado, isto é profundamente errado, porque os domínios de aplicação e o tipo de organização são completamente diferentes. Acredito profundamente que a sociedade, tal como a conhecemos, está numa profunda transformação, e parece que os últimos a perceber isso são os partidos... Faltam grandes líderes, filósofos que fundem as bases das novas correntes ideológicas. Eu, como tu, somos pragmáticos, mas estou certo que também concordas que este não é o caminho.