quinta-feira, setembro 01, 2005

Um ano sobre Beslan

“Desenho o terrorista e queimo-o por todas as crianças que morreram na escola. Eu quero vingar-me em todos aqueles que mataram aquelas crianças”
Laima Torchinova, 9 anos

“Sinto dor. E também raiva. Desde essa altura, que quero vingar a morte do Oleg. Se fosse presidente, ordenava-lhes que me enviassem os terroristas desarmados e eu, com as minhas próprias mãos, usando uma faca, cortava-lhes a garganta”.
Chermen Bugunob, 7 anos

São citações de uma pungência extraordinária e que caracterizam bem o tamanho e a intensidade da tragédia que presenciámos no ano anterior. Três dias de cerco e um dia final de holocausto: 171 crianças e mais de 200 adultos. Para o futuro fica uma geração ameaçada emocionalmente, incapaz de perceber os objectivos das forças em confronto. O ódio aos terroristas passou a ser um direito inalienável, sem espaço para qualquer forma pacífica de entendimento ou resolução do problema. O objectivo é claro, extirpar o mal antes que ele cresça e qualquer dia sejamos obrigados a sentarmo-nos à mesa com aqueles que nos ameaçam. Vladimir Putin continuava o seu plano de restaurar a autoridade vertical, repondo hierarquias piramidais, controlando e dominando o país, não com mão de ferro, mas com uma mão de aço inoxidável, duradoura e permanente. O carácter impedioso como lida com os “danos colaterais”, entenda-se vítimas e suas famílias, revela um frio calculismo e a intolerância a contestações. Frio calculismo porque Putin está disposto a aceitar as vítimas que decorrem da afirmação da Rússia como potência mundial e da sua entronização na liderança. Putin não aceita que terroristas que ameaçam a soberania do estado que comanda escapem do destino que imediatamente lhes traça. Só assim se explica a barbaridade das tropas especiais russas no ataque ao teatro de Moscovo e às escolas de Beslan.
Igualmente inaceitável são as manifestações de discórdia com as posições oficiais do Kremlin, quer seja o patrão da super-poderosa Yukos, quer seja a mãe de um dos marinheiros falecidos no Kursk (sedada em directo na televisão quando chorava e lamentava a morte do filho), ou os familiares das vítimas de Moscovo e Beslan.
Com uma humanidade e uma dignidade que nos arrepia, a mães de Beslan pediram ao presidente russo que não fosse às cerimónias. Do Kremlin veio a resposta que faz da política um sinónimo de cinismo. O presidente estava disposto a recebê-las. Quase todas o recusaram lamentando o facto de, durante um ano, nunca o presidente ter aceite essa pretensão. As que aceitaram o convite vão porque não querem perder a oportunidade de manifestar o seu pesar e tentar perceber o porquê do inquérito à intervenção das forças russas nunca ter sido concluído.
Um ano depois, Beslan tem duas novas escolas que substituem a anterior, Putin continua presidente, não houve mais ataques terroristas daquela dimensão na Rússia, mas pelos sinais que nos chegam de tantos lugares do Mundo a questão do terrorismo veio para ficar. Na minha opinião há um facto incontornável na luta contra o terrorismo, apesar de talvez ainda ser algo prematuro. O vazio político em que assenta o terrorismo terá de ser o campo de batalha. A vertente bélica continua a ser o único argumento que faz o terrorismo crescer. O vazio nunca se esconde será sempre demasiado gritante. É esse o grito que as populações descontentes que o apoiam têm de ouvir, de forma a que sintam que ali não está uma resposta, apenas mais um milhão de perguntas.

Sem comentários: