quarta-feira, julho 06, 2005

Manual de Interpretação das Finanças Locais

“Um candidato que venda ilusões não terá hipóteses. Se disser: Eu baixo a despesa e os impostos” terá de explicar onde vai buscar o dinheiro”

Para todos os meus amigos que estão a ler estas palavras e a prepararem-se para as primeiras manifestações de regozijo e múltiplas aleluias, lamento ter de refrear esses impulsos, mas tenho de fazer um alerta para o tempo do verbo utilizado pelo orador da frase citada. Onde está “terá” deveria estar “teria”, porque apesar da lógica da opinião a sua aplicação prática depende da capacidade política do Secretário de Estado do Desenvolvimento Regional, Rui Nuno Baleiras. Este professor universitário de finanças públicas deu ontem uma entrevista acutilante ao Diário de Notícias, aí demonstra um conhecimento técnico que nem me atrevo a contestar, apenas espero que tenha o peso político para fazer a “reforma” que preconiza e não uma mera alteração da lei, que é o cenário que se adivinha.
Diz o mesmo jornal que Rui Nuno Baleiras passou a última década a tirar o pulso à situação financeira das nossas autarquias, factor que levou mesmo o Presidente da República a solicitar-lhe uma análise rigorosa sobre esse tema.
As conclusões são interessantíssimas, apesar da apresentação político-diplomática, uma vez que o cargo de Secretário de Estado implica uma menor crueza na sua apresentação e um maior polimento. Não sei se me estou a fazer entender…
Há números espantosos que passo a citar: “Entre 1990 e 1996, a despesa pública local cresceu 35%, mas entre 1997 e 2001 o crescimento foi já de 52%. Entre 1996 e 2001, o PIB real cresceu 19%, enquanto a despesa pública local cresceu 52%”. Ora na opinião do autor, este quadro é insustentável e, no enquadramento actual, os dinheiros para tapar este buraco “só podem vir do Governo central, através de transferências, ou de situações de dívida escondida”. Parece que algumas autarquias usam essa estratégia, através de despesas que não passam pelas contas de gerência, é essa a dívida escondida, caso do atraso no pagamento a fornecedores.
Mas há mais neste quadro de leis e autarcas desajustados ao futuro, como por exemplo a “regra do equilíbrio do orçamento corrente”. Assenta em mais um princípio aparentemente incontestável: “Quando um município prepara um orçamento para o ano seguinte não pode ter gastos correntes superiores às receitas correntes”; tal e qual como em nossa casa, na prática gera-se o seguinte efeito pernicioso: “Um município decide fazer a reconstrução de uma estrada: se fizer a obra adjudicando-a a uma empresa, os pagamentos ao empreiteiro serão despesa de capital de investimento; se fizer a obra por administração directa, com máquinas e funcionários autárquicos, será despesa corrente”. A própria Lei fomenta os comportamentos desviantes e, pior que isso: “o cumprimento escrupuloso da lei pode levar um município à ruína”. Espantoso!
Apenas para terminar e com mais uma citação dolorosa: “Muitas vezes ouvimos as oposições dizer que não sabem o que câmara anda a comprometer para o futuro, mas se calhar nem o presidente sabe, porque não tem essa informação”. Elementar, meus caros!
E depois há ainda casos paradigmáticos como o de um membro da oposição autárquica que aprova orçamentos com elevados níveis de endividamento porque essa é a única forma de um executivo apresentar trabalho. Poderia ter sido dito por Alberto João Jardim, mas foi dito por um meu conterrâneo que já foi candidato â Câmara Municipal e cuja eleição perdeu estrondosamente. Será que o eleitorado adivinhou alguma coisa?
Sabem que mais? Cada vez tenho uma maior simpatia pela ideia/conceito de João Carlos Espada de que Portugal, em vez de aumentar, deveria era reduzir os impostos, pois menores receitas acabariam com vícios instalados e forçavam a uma gestão séria e rigorosa.

Em relação ao estudo do nosso Secretário de Estado e para terminar, espero que o Presidente da Reública faça a sua edição em formato de livro de bolso para que esteja disponível para todos os cidadãos. Já imagino munícipes com o manual na mão, ao jeito de missal, com páginas seleccionadas e a desmistificarem as contas que sempre brilhantemente nos apresentam!

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