terça-feira, junho 14, 2005

Eugénio de Andrade disse uma vez numa entrevista que tinha outro grande amor na vida para além da poesia. Pensei que se referisse à música, mas, na verdade, o seu outro amor era a Justiça. Estas palavras acompanharam-me e ainda me fascinam e perturbam, pelo facto, de esse ainda continuar a ser um amor ausente em Portugal.
Não posso fugir mais de Eugénio, o efémero persegue-nos velozmente e o conhecimento não convive bem com fugas temporárias. Fugi de Eugénio, mas sempre esperei que ele me apanhasse. Hoje estou certo que me tocou pelo mais dramático dos apelos, o do fim da vida.
De Cunhal nenhum de nós conseguiu fugir. A sua presença no século XX português é incontornável, todos o dizem. A astúcia e o labor do político assente na crença em convicções suscitaram-me o respeito, mas também o alívio por o Mundo ter acelerado a marcha e Cunhal não ter acertado o passo. Ficou para mim o homem total, pleno na política, intenso na cultura e profundamente coerente na relação com os outros. Há homens que pela sua herança pesam mais na História e tornam a sua morte eminentemente física.A estas duas figuras, grandes à sua maneira, poderiam ser destinadas as palavras que o próprio Eugénio musicou sobre a morte de outro vulto da poesia portuguesa, Ruy Belo,: "Agora que começaste a fazer corpo com a terra / a única evidência é crescer para o Sol".

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