domingo, maio 08, 2005

Outras ideias para a casa de Almeida Garrett

Almeida Garrett


A insuficiência do saber acompanha-nos a todos, assim como o acontecimento do erro. Todos sabemos pouco e todos erramos. Aquilo que nos distingue é a forma como lidamos com estes postulados e a honestidade ou a modéstia intelectual que nos fazem encarar esta realidade e corrigi-la. Pelo título e naturalmente por este preâmbulo só podíamos estar a falar de Eduarda Napoleão e da Câmara Municipal de Lisboa. Que a senhora vereadora se insurja contra um projecto de casa-museu parece-me um direito inalienável, mas que não cumpra o seu dever profissional, a preservação do ambiente histórico da cidade, já não me parece admissível.
Esta gestão autárquica revela inoperância e vacuidade. Porque não dize-lo? Se uma equipa é sempre o espelho do seu líder, então esta equipa revela o mentor em todo o seu esplendor.
Num artigo anterior referi a importância do trabalho autárquico como uma forma de prevenção face a situações como esta, da Casa de Almeida Garrett. O levantamento das componentes do ambiente histórico local fornece instrumentos de gestão fundamentais, de forma a que o célebre “Não sabíamos” ou “desconhecíamos o valor patrimonial”, e todas as suas derivações, não continuem a servir de argumentação legitimadora a estas delapidações culturais que atravessam o nosso país. Alerto para o facto de ter utilizado “do nosso país” e não o prosaicamente utilizado “deste país”. Porque realmente este, é o nosso país, e será sempre aquilo que quisermos e consigamos que seja.
O meu país respeita o conhecimento, em todas as suas vertentes, as suas figuras, em todas as suas dimensões. É isso que espero que aconteça, que se possa construir, ao preservar, uma pequena parcela desse país.
Não partilho da ideia da Casa-Museu porque, geralmente, são espaços residenciais, com poucos usos para além desse fim e a breve prazo tornam-se apenas mais um equipamento perdendo o seu carácter identitário e mobilizador.
Naturalmente temos de falar de custos, pois estes equipamentos consomem recursos e produzem resultados limitados. Façamos um cálculo muito ligeiro sobre a manutenção de um espaço como este. Atente-se que deixo de fora os custos da requalificação do edifício. Com um quadro de pessoal de apenas duas pessoas, um técnico superior e um guarda ou contínuo, os valores alcançam os 20 000€ de despesas de remuneração. A este valor juntamos as despesas fixas com telecomunicações, água luz, etc. Nesta altura já quase todos os vereadores do país se teriam assustado.
A juntar a todos estes argumentos está um factor de outra natureza, mas que me parece igualmente importante, as casas-museu são, por definição, estáticas, não porque são um bem imóvel, mas antes por serem espaços com grande dificuldade para revelar a obra de uma vida. O que é importante é revelar a eternidade da obra e a transitoriedade da vida. Sou contra preservar um espaço porque alguém lá morreu. Importante é revelar a obra porque essa reflecte a pessoa. Neste aspecto parece-me que seria um espaço interessante para um projecto de Casa do Professor (gestão municipal ou associativa), pela importância que Garret teve para a Educação e pedagogia em Portugal.
Outra hipótese, numa perspectiva económica, não economicista, mais fácil de conciliar interesses privados e públicos, pergunto: não seria interessante transformar o espaço num projecto de turismo de habitação, ou hotel de charme, reconstituindo os aposentos à época, uma vez que existem descrições minuciosas? Permitiria oferecer um projecto de turismo cultural com inegáveis potencialidades, preservava-se o espaço na sua essência e difundia-se a obra, principalmente para turistas internacionais que possuem uma maior apetência por este tipo de oferta. Será viável? Não sei, mas pelo menos avalie-se, estude-se. Pelo menos nisso preserva-se uma parcela da memória de Garrett.
P.S. Texto escrito a pedido de um amigo ligado a um fórum político autárquico de Campo de Ourique.

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