quinta-feira, fevereiro 16, 2006

Portugal e a "guerra dos cartoons"



No meio desta voragem de acontecimentos que nos conduzem para a destruição das pontes, que ainda existem, entre o mundo Islâmico e o Ocidente. Portugal assumiu, por intermédio do governo, nesta questão dos cartoons, uma atitude de cinismo político. Cinismo porque Freitas do Amaral, Ministro dos Negócios Estrangeiros colou ao país uma imagem de complacência perante a escalada de violência que se fazia sentir contra representações e cidadãos europeus, desde o Médio ao Extremo Oriente. Não existiu uma desculpabilização, mas um esquecimento que nos feriu a todos num primeiro instante. Movimentaram-se cidadãos à porta da embaixada da Dinamarca manifestando a sua discordância face a Freitas do Amaral, eclodiu o habitual foco de críticas na Assembleia da República, com o deputado e auto-proclamado guardião da moralidade política Manuel Alegre na linha da frente.
Como referi num texto anterior, “A Política é gerir sobre contigências”. Inerarity, em citações que também utilizo no mesmo texto, referiu ainda o perigo do discurso político se dominado por uma corrente moralista que se revelará inflexível face às contingências que compõem o contexto onde se passa a realidade. Aquela que nos toca a todos nas nossas vidas, nas pequenas e nas grandes coisas.
Há portanto que tentar perceber a política, mesmo que quando com ela não estamos de acordo por questões de princípio. Como sabemos estas questões de princípio são do mais subjectivo, mas também do mais fundamental, da nossa construção. A nossa avaliação política tem inevitavelmente de lhe estar sujeita.
Proponho um cenário hipotético… No auge desta fervura fundamentalista, o nosso Ministro dos Negócios Estrangeiros convocava uma conferência de imprensa no Palácio das Necessidades para emitir o seguinte comunicado:
- O Governo Português quer manifestar o seu mais veemente repúdio pela violência perpetrada contra cidadãos europeus, organizações e empresas europeias com representações em países de maioria islâmica. Mais afirmamos, que Portugal será um parceiro, no domínio europeu, no fortalecimento da liberdade de imprensa e não se deixará atemorizar por climas instigados de violência.
A mensagem, de tão evidente e consensual no conteúdo, provavelmente não suscitaria muitas reacções internas. No entanto a repercussão internacional seria uma incógnita, num ambiente tão volátil. Não estaríamos a colocar em risco as vidas dos 854 militares portugueses que se encontram no Iraque, no Kosovo e no Afeganistão? Como reagiríamos todos a um cenário de bárbaro sequestro a um militar português ou a um ataque contra as nossas forças? Será que se manteria a consensualidade reinante neste momento?
Onde estaria o cinismo nesse momento? Na moralidade da declaração?
Portugal é um país pequeno e, neste momento, encontra-se demasiado susceptível a enfrentar cenários tão marcadamente belicistas. Apesar disso também considero que os países não podem esconder a realidade e fugir dela em vez de enfrentá-la, mas aquilo que pretendo alertar neste post é que foram estas as contingências que Freitas do Amaral teve de ponderar para gerir políticamente esta questão. Não foi, de modo algum, hábil, passando pela humilhação de ser elogiado pelo embaixador do Irão. A polémica serviu de alguma coisa e o discurso agora foi bem mais claro e duro do que é normal em missivas diplomáticas. Portugal gostaria de ter boas relações com o Irão, mas tal não será possível enquanto continuarem a ser atacadas embaixadas e não for permitida entrada de inspectores da Agência Nuclear Internacional. Mas neste caso falamos de um país muçulmano, não do “mundo” muçulmano…

2 comentários:

capeladodesterro disse...

Perguntam vocês o porquê de tantas mudanças neste blog? Tudo se deve devido à dificuldade na publicação dos comentários nos templates anteriores... Agora tenho um template mais do que estafado do blogger, mas pelo menos é fiável! Abraço e participem

Anónimo disse...

Este braço de ferro entre a liberdade de expressão e o sagrado intocável Corão da religião muçulmana, resulta do desafio constante entre o Ocidente liberal, e o Oriente infiel. Contudo há que reflectir bem sobre a necessidade e motivo que alguns jornalistas tinham para tocar no profeta mais sagrado para os islamitas. Porquê tocar num assunto polêmico, e provocar a ira da turba só por que alguêm da imprensa acordou mal disposto, e pronto para descarregar a sua frustação sobre o coitado do Moamé, que não tinha qualquer culpa do mau humor do jornalista. Por outro lado, é censurável o comportamento agressivo e ameaçador dos crentes. Entende-se que eles foram feridos no orgulho da sua fé, mas tambem é reprovável a sua conduta, mas tambem foi completamente negligente a atitude injustificada da critica do jornalismo ocidental. É que a liberdade de expressão deve necessáriamente ter travões e limites. Muitas felicidades para o Miguel Angelo e a sua Capela Sisitina.
[Dominio dos Anjos]