terça-feira, outubro 03, 2006

O Conhecimento e as Autarquias

Dos Arquivos aos Centros Municipais de Conhecimento

Ocasionalmente, em virtude da realização de algumas conferências, somos arrastados para essas temáticas mais ou menos obscuras dos Arquivos e do Conhecimento. Se valorizamos o último conceito, em virtude da sua apropriação pelas novas tecnologias, já ao primeiro atribuímos uma despicienda indiferença. Esquecemo-nos da intrínseca relação que existe entre ambos e de como o conhecimento do passado ajuda a produzir o novo.
A ausência, em tantos concelhos do Oeste e Leiria, de arquivos municipais valorizados e funcionais são um problema grave não só de preservação do património histórico, mas também um problema de gestão administrativa das autarquias. É necessário reforçar a ideia de que um Arquivo, mesmo nos moldes tradicionais, não é um equipamento meramente cultural. Não serve apenas para preservar a memória histórica de uma região. Do seu funcionamento gera-se um valor administrativo dificilmente quantificável, mas sentido na facilidade ou dificuldade com que se processa o acesso à informação das organizações. A implementação de uma política de gestão de documentos é uma forma de rentabilização económica e um acto de gestão racional. Permite terminar com incontáveis quilómetros de papel desnecessário gerado por serviços que duplicam e triplicam a mesma documentação e por documentos redundantes.
Neste domínio Portugal vive uma realidade paradoxal. Apesar da crescente, mas insuficiente, sensibilidade para as matérias da gestão arquivística e gestão do conhecimento, e do esforço financeiro de organizações e administração pública, o sector não descola, mesmo contando com o aumento crescente de profissionais com especialização superior. A resistência à mudança é ainda muito forte e os estereótipos continuam a perdurar quando falamos de arquivos. Perdura a imagem do local atulhado, poeirento e onde apenas um demente solitário se realiza profissionalmente.
Na oposição a esse estereótipo acelero para um novo conceito. A forma como encaro a convivência entre as realidades mencionadas configura-se nesta ideia: Centro Municipal de Conhecimento.

Afinal do que falo quando aqui abordo o Conhecimento?
Com a Economia cada vez mais a tomar conta da palavra podemos dizer que o Conhecimento é todo o saber estudado, publicado, mas também o saber de experiência, de vivência, que nos acompanha a todos, por vezes de forma quase invisível. É algo quase etéreo que faz de qualquer um de nós um potencial de valorização de um projecto empresarial ou de outra natureza.
Para que serve?
1. Como forma de reforçar laços de união, cooperação, competição, quer numa comunidade, numa organização não governamental, quer numa empresa, apesar das dinâmicas próprias que possuem;
2. Fomento de laços de identificação entre pessoas. Por exemplo, através do conhecimento histórico para entendermos o nosso Passado e Presente, através de estudos sociológicos para nos retratarmos individual e contextualmente, através de estudos de cariz económico para percebermos as vantagens competitivas que possuímos face ao restante mundo globalizado.
3. A globalização faz-nos procurar formas de diferenciação baseadas no nosso conhecimento, mas também na inovação com que o encaramos e aproveitamos.
Chegamos assim a um ponto fulcral do conceito que defendo: o arquivo depósito de documentação acessível a estudiosos e facultador de documentos aos serviços administrativos, pode ser a visão possível, mas não deixa de ser redutora nos tempos que correm. Qual o papel que deve ser concedido ao Conhecimento ao nível local?
Aquele que assente nos pressupostos mencionados anteriormente. Assente na perspectiva de que deverá ser uma vantagem competitiva de eleição para toda a região. Isso implica que se pense de uma forma integrada abarcando instituições políticas, culturais, educativas e económicas. Perceber que, nestes domínios, não existem planos de curto prazo, tudo tem de ser objectivado num cenário, de pelo menos, uma década.

Porquê um Centro Municipal do Conhecimento?
Porque seria uma estrutura muito mais abrangente em termos de raio de acção, com capacidade de absorção e interacção com o meio económico local (não só o cultural). Porque seria uma renovação da forma como a administração pública encara o conhecimento como sector vital do desenvolvimento.

Um Arquivo Municipal tem como atribuições fundamentais as que defini anteriormente: - Preservar a documentação de valor probatório e histórico, não só da Câmara Municipal, mas também de qualquer outra instituição, entidade ou particular, com relevância local ou nacional; - Disponibilizar ferramentas de acesso a essa mesma documentação e à sua informação; - Apoiar a implementação de uma política arquivística na estrutura administrativa da Câmara Municipal, gerando instrumentos de descrição, classificação e avaliação.São necessidades primárias e às quais é preciso dar resposta como arquivo municipal ou centro do conhecimento. Neste aspecto a denominação está longe de ser o fundamental.

No entanto, enquanto Centro Municipal do Conhecimento reforçamos a forma de encarar o Conhecimento no modo como hoje é defendido por economistas, políticos e cientistas. Gerando conteúdos para o público em geral, mas assumindo posturas sectoriais, por exemplo nestes três sectores:
Economia: permitir à Cultura um papel de fomento da inovação empresarial. Por exemplo: uma empresa de faiança precisa de um estudo histórico para entender as características específicas da região em que se insere e poder utilizá-las como uma vantagem de negócio. São conteúdos desta natureza que têm de ser identificados e cujo acesso deve ser facultado pelo centro. Outros exemplos: - Uma empresa de trabalhos gráficos recorre frequentemente a documentos histórico-artísticos para as quais poderá ter de despender horas em investigação, para a qual não estão preparados, ou então recorrem a ideias e estereótipos que pouco têm a ver com a realidade. O Centro teria todas as condições técnicas para fornecer esse serviço. - Compilação de dados estatísticos disponíveis de organismos públicos e privados para sectores chaves da economia local.
Política: aumentar e qualificar a informação de referência sob a forma de dossiers técnicos fornecendo elementos de contexto aos decisores políticos. Exemplo: Gerar conteúdos para serem desenvolvidos na programação cultural municipal e desenvolvimento turístico local. Fornecer informação de referência para contextualização de grandes obras públicas.
Ciência: Tornar o centro numa plataforma de saberes. O acesso a publicações científicas, funcionando como um clipping pode ser interessante para empresas de bases tecnológicas, mas também para sectores tradicionais, cada vez mais abertos à inovação, como a agricultura. Existindo empresas da mesma base tecnológica porque terá cada uma de assinar publicações periódicas quando todas poderiam aceder num mesmo local?

O Centro Municipal do Conhecimento reflectiria, de alguma forma, a evolução da forma como se encara o conhecimento e os seus suportes, actuando de forma integrada em dois domínios:
A) Gestão arquivística. Competências básicas definidas nas atribuições dos actuais Arquivos Municipais: Avaliação, selecção e eliminação de documentação; definição de circuitos documentais e fluxo da informação da instituição; Implementação de políticas de comunicação com os utentes; Migração e implementação de novos sistemas de gestão de documentos electrónicos, etc.
B) Cenário de Partilha do Conhecimento: fazer de uma cidade ou região um território inteligente, de inovação, com o objectivo de captar dinâmicas externas e transportá-las para o seio das organizações de uma forma que gere valor; Conhecer o capital intelectual a apoiar no concelho; Fazer das novas tecnologias o veículo de circulação do conhecimento.
Concluindo… o Centro Municipal de Conhecimento é uma estrutura mais vocacionada para a partilha de conhecimento do que um Arquivo Municipal. Procura antecipar as necessidades em vez de esperar por elas. É uma estrutura transversal às necessidades de um território e seus habitantes. O conceito implica conhecimento da realidade, visão estratégica, ousadia, investimento, mas também uma rigorosa avaliação dos resultados. Mas mais do que tudo implica empreendedorismo. Afinal não é disso que precisamos? Ou isso é apenas para os privados?

segunda-feira, maio 22, 2006

Depois de Alcobaça, agora é Lisboa


Gonçalo Byrne continua em grande forma depois do sucesso da requalificação da envolvente do nosso Mosteiro, agora estalou a polémica com o seu projecto para o Largo Barão Quintela. Byrne volta a fazer um projecto ao seu estilo... Num jardim romântico oferecido à cidade por uma dos seus mais ilustres habitantes da cidade de Lisboa do séc. XIX, Byrne vai deslocar a estátua de Eça de Queiroz, fazer uma praça à semelhança da nossa D. Afonso Henriques e colocar um parque subterrâneo a 50 m do actual parque do Camões. Um local com uma mística tão especial irá ser desmembrado ao gosto de um executivo autárquico e de um "arquitecto de renome". Mas as espantosas semelhanças com Alcobaça não terminam aqui, há ainda a posição do IPPAR. Depois deste organismo ter emitido sucessivos pareceres contra anteriores projectos, qual foi a alternativa do promotor para garantir aprovação? Chamar um arquitecto de renome... Gonçalo Byrne, pois claro. Feito um novo projecto aprovação garantida!! Apetece-me dizer que é surreal, mas é a nossa realidade, aquela que vivemos todos os dias.
Mais uma vez, um coro de anónimos, ao qual aderi em texto neste blog e imprensa local no auge da polémica do Rossio de Alcobaça, e uma colectânea de académicos são desvalorizados por um executivo eleito e por um arquitecto escolhido... e mais não digo. Entre as pessoas que se manifestaram constam Raquel Henriques da Silva ou Vítor Serrão, mas esses são historiadores, não políticos. No entanto, pode haver uma centelha de esperança, pois ao que parece Paula Teixeira da Cruz, está contra esta posição do seu executivo, que segue um erro que vem de 2003. Lá vamos nós ouvir a desculpa dos "direitos adquiridos" novamente...
Mas as polémicas Byrnescas continuam. Santana Lopes quando chegou à Câmara Municipal de Lisboa uma das primeiras coisas que fez foi chamar um "arquitecto de renome" para um projecto para a área da Ajuda e seu Palácio. Quem foi o técnico de renome? Gonçalo Byrne. Uma das vertentes desse mesmo projecto é construir aquilo que nunca foi construído no palácio... uma ala inteira. Num país que se acotovela para arranjar fundos para recuperar património histórico-cultural em ruínas, que megalomania é esta de ir terminar um monumento que não foi concluído precisamente porque não haveria dinheiro?! O que virá a seguir? As Capelas Imperfeitas do Mosteiro da Batalha, as torres sineiras do Santuário Senhor Jesus da Pedra em Óbidos??
Quando é que Portugal assume a sua dimensão e condição como uma vantagem e não com o complexo de inferioridade que faz da megalomania a única alternativa?

segunda-feira, março 20, 2006

Portugal e as manifestações em França

Portugal é verdadeiramente um país paradoxal, na forma como se encara e na forma como encara o mundo. De tomada de posição fácil em discussões interncionais e de pesados silêncios nas discussões internas. Enquanto milhares de franceses protestam violentamente, demonstrando a sua coerência histórica, contra uma nova lei para o combate ao primeiro emprego, os portugueses rapidamente se associam e manifestam a sua estupefacção perante semelhante quadro legislativo. A medida simbólica, e ao mesmo tempo essencial, é a possibilidade de empresários despedirem livremente, durante um período inicial de dois anos, jovens no seu primeiro emprego. Evidentemente há um risco hipotético de todo o primeiro emprego se tornar precário, de todas as empresas se refugiarem nesta lei para, pura e simplesmente, não colocarem um jovem nos seus quadros. No entanto esta assumpção esquece que, nunca como agora, os activos humanos das empresas foram tão valorizados e a prospecção de talentos faz inveja a sectores como o futebol.
Para alem do mais, esta discussão emocionalmente exacerbada coloca de parte o mérito desta lei, que é procurar vencer as resistências das empresas em apostar em jovens sem experiência. Hoje em dia um jovem, quando finaliza os seus estudos, já não procura um emprego, procura uma oportunidade que possa gerar em emprego.
Esta realidade é dura e é de alguma forma caricatural do extremo a que ainda não chegámos…
Com taxas de desemprego elevadíssimas entre os jovens o governo francês ousou colocar uma medida que até em Inglaterra sofreria forte contestação. Concorde-se ou não, pelo menos houve alguma acção. De alguma forma, só demonstra, mais uma vez, esse cruel combate que se trava na política entre o ideal e o possível.
A um quadro de estagnação propõe-se um quadro de rupturas para um novo balanço, aquilo que surgirá depois dos protestos será, a longo prazo, uma vitória de pirro, eventualmente, uma vitória moral. Convenhamos que a semana das 35 horas também o foi sem, no entanto, ter produzido os efeitos que se avançavam. A Europa tem de olhar para o resto do Mundo e perceber que as soluções de compromisso acarretam custos futuros, mais difíceis de aceitar que os do presente.
Regressando às posições decididas dos portugueses, deixo no ar a seguinte pergunta: qual é a melhor? Esta nova lei francesa (onde presume que os descontos sejam efectuados pela empresa) ou a prática nacional dos recibos verdes?
A saga dos Sem-Contrato portugueses continua e está instituída arreigadamente. Milhares de jovens ganham menos de mil euros mensais, pagam IRS, Segurança Social, não têm protecção do Serviço Nacional de Saúde, não têm qualquer vínculo com a entidade contratante, em resumo: podem ser despedidos a qualquer momento.
Pergunto mais uma vez: o que é melhor? Um país ou um país avestruz? Porque não há a mesma solidariedade com os Sem-Contrato portugueses que existe neste momento com os potenciais contratados precários franceses?
Recentemente um amigo teceu uma consideração sensivelmente semelhante a esta: quando só olhas para o teu umbigo, não percebes a dimensão do mundo à sua volta. Neste caso concreto será melhor que os portugueses olhem primeiro para o seu umbigo porque as injustiças estão mesmo à sua volta.

quinta-feira, fevereiro 16, 2006

Portugal e a "guerra dos cartoons"



No meio desta voragem de acontecimentos que nos conduzem para a destruição das pontes, que ainda existem, entre o mundo Islâmico e o Ocidente. Portugal assumiu, por intermédio do governo, nesta questão dos cartoons, uma atitude de cinismo político. Cinismo porque Freitas do Amaral, Ministro dos Negócios Estrangeiros colou ao país uma imagem de complacência perante a escalada de violência que se fazia sentir contra representações e cidadãos europeus, desde o Médio ao Extremo Oriente. Não existiu uma desculpabilização, mas um esquecimento que nos feriu a todos num primeiro instante. Movimentaram-se cidadãos à porta da embaixada da Dinamarca manifestando a sua discordância face a Freitas do Amaral, eclodiu o habitual foco de críticas na Assembleia da República, com o deputado e auto-proclamado guardião da moralidade política Manuel Alegre na linha da frente.
Como referi num texto anterior, “A Política é gerir sobre contigências”. Inerarity, em citações que também utilizo no mesmo texto, referiu ainda o perigo do discurso político se dominado por uma corrente moralista que se revelará inflexível face às contingências que compõem o contexto onde se passa a realidade. Aquela que nos toca a todos nas nossas vidas, nas pequenas e nas grandes coisas.
Há portanto que tentar perceber a política, mesmo que quando com ela não estamos de acordo por questões de princípio. Como sabemos estas questões de princípio são do mais subjectivo, mas também do mais fundamental, da nossa construção. A nossa avaliação política tem inevitavelmente de lhe estar sujeita.
Proponho um cenário hipotético… No auge desta fervura fundamentalista, o nosso Ministro dos Negócios Estrangeiros convocava uma conferência de imprensa no Palácio das Necessidades para emitir o seguinte comunicado:
- O Governo Português quer manifestar o seu mais veemente repúdio pela violência perpetrada contra cidadãos europeus, organizações e empresas europeias com representações em países de maioria islâmica. Mais afirmamos, que Portugal será um parceiro, no domínio europeu, no fortalecimento da liberdade de imprensa e não se deixará atemorizar por climas instigados de violência.
A mensagem, de tão evidente e consensual no conteúdo, provavelmente não suscitaria muitas reacções internas. No entanto a repercussão internacional seria uma incógnita, num ambiente tão volátil. Não estaríamos a colocar em risco as vidas dos 854 militares portugueses que se encontram no Iraque, no Kosovo e no Afeganistão? Como reagiríamos todos a um cenário de bárbaro sequestro a um militar português ou a um ataque contra as nossas forças? Será que se manteria a consensualidade reinante neste momento?
Onde estaria o cinismo nesse momento? Na moralidade da declaração?
Portugal é um país pequeno e, neste momento, encontra-se demasiado susceptível a enfrentar cenários tão marcadamente belicistas. Apesar disso também considero que os países não podem esconder a realidade e fugir dela em vez de enfrentá-la, mas aquilo que pretendo alertar neste post é que foram estas as contingências que Freitas do Amaral teve de ponderar para gerir políticamente esta questão. Não foi, de modo algum, hábil, passando pela humilhação de ser elogiado pelo embaixador do Irão. A polémica serviu de alguma coisa e o discurso agora foi bem mais claro e duro do que é normal em missivas diplomáticas. Portugal gostaria de ter boas relações com o Irão, mas tal não será possível enquanto continuarem a ser atacadas embaixadas e não for permitida entrada de inspectores da Agência Nuclear Internacional. Mas neste caso falamos de um país muçulmano, não do “mundo” muçulmano…

quinta-feira, janeiro 26, 2006

Pegada Ecológica


Antes de mais uma curta explicação sobre o que é isso da pegada (ou peugada, como considero mais correcto) ecológica... Da mesma maneira que quando caminhamos deixamos a nossa peegada, a forma como vivemos tem o mesmo impacto no ecossistema em que estamos inseridos. O uso que fazemos dos recursos naturais e a adaptação ou inadaptação com que encaramos o nosso lugar no Mundo, pode hoje ser avaliada através deste conceito de referência. Garanto-vos que os resultados serão impressionantes, geralmente pela negativa. No meu caso pessoal, e apesar de limites que coloco na minha própria vida, o resultado foi o seguinte: se todos os habitantes do Mundo tivessem a mesma pegada ecológica que eu seriam necessários 2,8 planetas Terra para nos sustentar. A minha peugada ecológica corresponde a 5,1 hectares, quando a média nacional são 4,5. Ou seja preciso de 5 hectares para sustentar a minha forma de vida, o que é absolutamente incomportável. Sou penalizado por morar em Lisboa e passar os fins de semana em Alcobaça, por viajar e viver sózinho, ms são necessárias mudanças.
Todos vamos ter de mudar. Estou convencido que seremos nós, os ocidentais, quem mais terá de mudar. Com o acordar da Ásia o aumento da poluição será dramático e a sensibilização é quase impossível em países que vivem cenários de expansão aceleradas. A mudança de ano chinês faz movimentar centenas de milhões de pessoas, serão cada vez mais aqueles que usam transporte próprio, as empresas de transformação conquistam mercados e o aumento do tráfego aéreo irá crescer exponencialmente. Tudo isto à conta das energias tradicionais... e poluentes.
A mudança é inevitável e está na altura de começarmos nós a compensar a factura que o Mundo "sub-desenvolvido" teve de pagar nas últimas décadas.

P.S. Parabéns à Câmara Municipal de Almada pelo estudo que aqui apresentamos. Para aceder basta clicar na imagem.

sexta-feira, janeiro 20, 2006

"Golden League"

Último dia de campanha... só me ocorre um sentimento: alívio! Estamos em campanha não oficial aberta e declarada desde Setembro, com Mário Soares, e desde Novembro, com Cavaco Silva. No entanto as candidaturas de Cavaco e Alegre fizeram capas de jornais e aberturas de telejornais nos últimos anos. Um exagero. Poderíamos esperar que tanto tempo de preparação levasse a uma sistematização das ideias, a novas perspectivas e projectos para o país, mas a realidade revela que o investimento é feito, essencialmente, na preparação da máquina de campanha. Essa é a outra eleição, a eleição-sombra, onde empresas e gurus da comunicação e marketing vêem na política o escaparate para novos sectores de negócio. Quando transparente compreendo e considero fundamental nos tempos que correm, no entanto considero que deverá ser sempre uma ferramenta, não a peça em si. É uma “golden league” à parte...
Como somos cada vez menos os que passam por este templo (mea-culpa!) e porque creio que o sentimento que transparece das linhas anteriores é mais ou menos generalizado, não vou entrar em grandes reflexões sobre os cenários eleitorais. De uma maneira ou de outra, já todos fizemos as nossas reflexões, mesmo que a indecisão nos vá consumindo até ao momento de colocar a cruz no boletim. Nessa altura ou votamos de protesto, em branco ou na oposição, ou votamos com clubite, no partido da família ou naquele com o qual estivemos sempre mais próximos.
Assim sendo, olhando para este frenesim de palavras e contactos das campanhas eleitorais, surgiu-me a metáfora mais comum: a corrida eleitoral! Daí ao atletismo é uma sprint de 100m. Imediatamente me ocorreu o nome de uma das provas mais importantes do atletismo mundial, a seguir aos Jogos Olímpicos e aos Mundiais, a Golden-League. O próprio nome é provocador e vai de encontro ao sentimento de muitos, da maioria, de quase todos os portugueses. O mais curioso é que na Golden-League os vencedores são premiados com barras de ouro, mas já não vou por aí...
Fica o registo dos atletas, quase todos veteranos com excepção da esperança Francisco Louçã, e qual o seu papel nesta prova de resistência sobre-humana:
Garcia Pereira: o maratonista
Honra lhe seja feita! Ninguém corre mais do ele. Ficará para a História como “Pheidippides do MRPP”. É a reencarnação desse combatente grego que, depois da batalha de Maratona, correu para Atenas para avisar da vitória gritando "Nós somos vencedores". Grita frequentemente a mesma expressão em relação aos trabalhadores e acredito que ainda corre em busca desse momento. Imagina-se no Estádio Nacional, no pódio, com a banda militar do Exército a tocar a Internacional. Agora não sei se isso será adequado a um maoísta... é melhor pensarmos já nisso para não gerarmos nenhum acidente diplomático. Será ainda organizador das corridas vermelhas destinadas a todos os gestores de multinancionais e empresas púbicas e privadas nacionais. Um evento ao nível das melhores nacionalizações do 25 de Abril.
Jerónimo e Louçã: os 3000 m obstáculos
O primeiro busca as televisões, mas elas não querem nada do seu clube, o segundo procura-as e elas aderem aos seus requintes técnicos, à forma como aborda os obstáculos e acelera os ritmos da corrida. Louçã é um atleta simpático que acolheu a participação africana de braços abertos nas competições internacionais, é recorrente ouvir-se-lhe a frase: Perdi, mas ainda bem que foi para um irmão marroquino. O público gosta do lado altruísta, mas também do lado rebelde com que ataca os atletas norte-americanos favorecidos pelo capitalismo canibal.
Jerónimo é o típico atleta da corrida de São Silvestre, saíndo de casa na noite de passagem de ano para ir correr com os camaradas que corriam à frente da PIDE, essa grande escola do meio fundo português. Troca uma medalha por uma fatia de broa com sardinha. Para além de atleta tem revelado uma enorme capacidade de gestão desportiva, à frente da associação recreativa de Pires-Coxe, a seguir com atenção na próxima maratona de Boston.

Mário Soares: a lebre
Assumiu este papel com enorme brilhantismo, procurando encurtar as distâncias para o líder andando num ritmo que já não é o seu e perante a indiferença do público. Desgastou o principal adversário com as suas corridas livres por todo o país. O seu trabalho nunca será devidamente valorizado pelo eventual segundo classificado, que considerará sempre que, depois do 25 de Abril, nunca houve nenhum atleta como ele próprio. A consolação do segundo lugar, a acontecer, será semelhante a um prémio carreira.
Alegre: o meio fundista
Partiu como os quenianos de outros tempos, descalços sobre o tartan, de equipamento pouco talhado para alta competição, mas com coração e risco marcou um ritmo estável, na esperança de chegar à finalíssima. Noutras circunstâncias, poderia mesmo ter sido um atleta de estafetas, assim tivesse Mário Soares passado o testemunho. Assumiu o estratégico papel de o melhor atleta do Portugal pós-25 de Abril. Comparável só as medalhas de Carlos Lopes, mas este é de direita, e Rosa Mota, mas esta é socialista apesar de ser do PS e para além disso sempre apoiou Mário Soares noutras corridas quando ele sempre foi contra...
Da sua participação nesta corrida ficam dados preocupantes, como o tempo que demorou a aquecer revelando ser homem para trajectos mais curtos e as perigosas divergências com as corridas do governo. Não perderia a hipótese de cravar os pitons ou pregos da sua sapatilha nos calcanhares do primeiro dos ministros.
Cavaco: o velocista
A figura esguia não engana. Passada larga ma trajecto curto que as corridas de outros tempos à muito foram trocadas pelas cadeiras da universidade. Foge das corridas maiores porque tem receio que as conversas com os jornalistas tenham de ter uma relação com o tamanho da prova, algo que já deveria ter sido desmentido por um dos seus múltiplos treinadores. Desconfio mesmo que a sua preparação tenha sido feita no centro de alta competição de Madrid, conjuntamente com Obikwelu, daí o cartaz de Soares... elementar meus caros. Uma das suas primeiras medidas será fazer um corredor entre Belém e a Ajuda e reallizar o 1.º Crosse Internacial Ajuda a Belém. Terá mesmo desenvolvido contactos com Carlos Móia, mas esse deve ser Soarista, o nome melhor colocado será João Lagos, homem com experiência em travessias do deserto e clubes falidos.

É só escolher... mas acredito que não seja fácil perante atletas desta estirpe!

domingo, janeiro 08, 2006

O Governo Lunar




A título de preâmbulo fica o registo de que este artigo, na sua essência, estava pensado pelo menos desde Novembro! Porquê o compasso de espera? Por nenhum motivo em especial, apenas sentia a convicção de que a referida essência não perderia actualidade e seria uma questão de mais semana, menos semana, para que regressasse às minhas prioridades temáticas, neste blogue temporariamente abandonado. Não errei, pelo menos nesta última parte, a actualidade do tema está de volta com a polémica em redor do novo modelo de gestão da EDP. O cerne dessa polémica foi a possibilidade de que o Conselho Superior, órgão criado pelo novo modelo de gestão, pudesse contar com a presença de um representante da Iberdrola, concorrente da eléctrica nacional no mercado ibérico. Por motivos que já serão sobejamente conhecidos de todos, cedo esta questão galgou os domínios da gestão empresarial, para se assumir como uma questão eminentemente política. O representante da Iberdrola em Portugal é, nada mais, nada menos, que Joaquim Pina Moura. O anterior ministro das finanças de António Guterres e actual deputado da bancada parlamentar do Partido Socialista. Portugal vive, no presente, uma enorme fertilidade conspirativa, consequente e inconsequente, verdadeira e falsa. A constatação desta realidade deveria fazer dos governos, exemplos de frieza ou, se quisermos ser cínicos, de astúcia. Assistimos a nomeações e decisões que se reforçam na legitimidade técnica ou intelectual dos seus protagonistas, para fundamentar decisões que, do ponto de vista político, são profundamente erradas. Ninguém questiona o mérito técnico de Guilherme Oliveira Martins para dirigir o Tribunal de Contas, mas a sua conotação partidária torna-o num obstáculo à prossecução dos objectivos da instituição que dirige. Num tempo de maioria absoluta, o partido do Governo nomeia uma das suas figuras para um organismo que deve ser um referencial de isenção. Isto levanta especulações sobre qualquer parecer mais controverso, como o que foi passado às contas de gerência dos últimos anos e às críticas às incorporações dos fundos de pensões de empresas públicas na Caixa Geral de Aposentações, nos tempos de Manuela Ferreira Leite e Bagão Félix. Poderá o país viver com as suas instituições de referência permanentemente acossadas, com a sua credibilidade a ser questionada por cada nomeação governamental. Não me esqueço da sofismável nomeação Luís Nobre Guedes para Conselheiro do Tribunal Constitucional. Nisto todos os governos serão iguais, a real politik dirá que são as regras do jogo, que a nossa tranquilidade assenta nesta agitação subterrânea. Esta lunaridade da política preocupa-me, no caso presente, este Governo. A uma face brilhante, luminosa, claramente afirmativa, onde se espalham reformas, boas-intenções, ferozes combates ao obscurantismo corporativista, sucede-se, com a frequência da lua, uma outra fase lunar, distante, oculta na rectaguarda da outra. Submete-se o brilho da primeira à contra-luz das nomeações de Fernando Gomes e Armando Vara, de inúmeros gestores de conteúdos de páginas da internet, às guerras de alecrim e manjerona em redor do Plano Tecnológico. Também no caso da EDP depois do obscurantismo o ministro Manuel Pinho teve uma reacção brilhante, que infelizmente lhe é cada vez mais rara, ao afirmar que não podemos num dia pedir aos investidores estrangeiros para que invistam em Portugal e, no dia seguinte criticá-los e maltratá-los! Para além do mais a Iberdrola investiu cerca de mil milhões de euros em Portugal nos últimos anos. Sinceramente está na altura dos portugueses enquanto povo se definirem quanto ao que querem que seja Portugal no futuro e não deixar que as lunaridades ou os luares dos consecutivos governos nos submetam a estes ambientes de suspeição. Ou o país se fecha e se protege das operações públicas de aquisição de grupos económicos estrangeiros, onde naturalmente se encontram os espanhóis, ou então cria um modelo económico de desenvolvimento competitivo, baseado na flexibilidade, eficiência e na inovação. Não sendo economista, creio que não nos valerá de muito acreditar e investir muito no primeiro. Fazê-lo seria ir contra a corrente do mercado internacional, contra a legislação europeia que não pactua com modelos proteccionistas. Nesta altura até a golden share do Estado Português na Portugal Telecom é discutida. A meu ver muito bem. Portugal para ser competitivo tem de estar preparado para a dinâmica do Mundo actual. Afinal onde preferimos estar? No país lunar ou no “Mundo plano”, que enche colunas de jornais e revistas e anda na boca dos maiores analistas e gestores internacionais?